Capítulo 3: A colonização de Ijuí: um mosaico étnico
Ijuí, mais do que uma cidade, é um laboratório social de convivência. Sua história é inseparável do encontro de diversas etnias que, ao longo das décadas, se estabeleceram em seu território, moldando sua paisagem humana, econômica e cultural. Este capítulo se aprofundará na maneira como esse mosaico étnico se formou, desde a fundação oficial da colônia até os desafios inerentes à ocupação de um território já habitado, resultando na identidade multicultural que hoje é sua marca registrada.
3.1. A Fundação oficial da Colônia Ijuhy (1890)
A formalização da Colônia Ijuhy em 1890 representa um marco decisivo na história de Ijuí, transformando um projeto em uma realidade concreta. Este evento não apenas delimitou fisicamente o espaço da futura cidade, mas também deu início a um processo organizado de assentamento, atraindo os primeiros fluxos migratórios direcionados.
3.1.1. José Manuel Siqueira Couto: O Engenheiro da demarcação
O ambicioso projeto de colonização da Bacia do Rio Uruguai, no início da década de 1890, exigia um profissional com capacidade técnica e experiência em gestão territorial. A figura designada pelo governo para essa empreitada monumental foi o engenheiro José Manuel Siqueira Couto. À época, Siqueira Couto já ocupava a chefia da Colônia de Silveira Martins, o que lhe conferia a expertise necessária para a nova e desafiadora missão.
Sua principal tarefa era a medição e demarcação dos lotes, tanto urbanos quanto rurais, do que viria a ser o "Ijuhy Grande". A partir de maio de 1890, ele já se encontrava ativamente engajado na divisão das "terras virgens" – embora, como veremos adiante, já habitadas por "nacionais" – e na preparação para a distribuição desses lotes aos pioneiros. O trabalho de Siqueira Couto era fundamental para o estabelecimento da ordem fundiária e para a atração de colonos, que buscavam segurança jurídica em suas novas posses.
Apesar de sua atuação inicial ser de suma importância como diretor, a permanência de José Manuel Siqueira Couto em Ijuí foi breve. Em maio de 1891, ele foi transferido para o Espírito Santo, o que sugere que sua função era mais a de um catalisador inicial do que a de um gestor de longo prazo. Além disso, o documento indica que Siqueira Couto dividia seu tempo com Silveira Martins, o que resultava em sua frequente ausência. Durante esses períodos, o agrimensor Luiz Augusto de Azevedo, que já o auxiliava na administração, assumia interinamente, garantindo a continuidade dos trabalhos de demarcação e organização da colônia. O legado de Siqueira Couto, embora de curta duração, foi o de lançar as bases para a colonização organizada de Ijuí.
3.1.2. A inauguração: as primeiras famílias e a incerteza das origens
O dia 19 de outubro de 1890 marcou a inauguração oficial do núcleo colonial, inicialmente batizado de "Colônia Ijuhy Grande". A solenidade simbolizou o início de uma nova era para a região e para as famílias que ali chegavam com a esperança de construir uma vida melhor. Segundo os registros, 22 pessoas chegaram à sede da colônia naquele dia, enquanto mais de 100 famílias foram dispersas pelo interior, indicando uma estratégia de assentamento que combinava o desenvolvimento de um centro urbano com a ocupação das terras agrícolas circundantes.
A origem exata desses primeiros colonos, no entanto, permanece envolta em certa incerteza, o que é compreensível dada a dinâmica migratória da época. Muitos deles não vieram diretamente da Europa para Ijuí, mas chegaram à colônia após uma jornada complexa que geralmente se iniciava em Porto Alegre e incluía uma passagem por Silveira Martins. Esse percurso indireto sugere que alguns desses primeiros habitantes podem ter sido "imigrantes de segunda mão", ou seja, indivíduos ou famílias que já haviam tentado se estabelecer em outras regiões do estado ou do país antes de encontrar em Ijuí a oportunidade definitiva.
Apesar da falta de registros detalhados sobre todas as nacionalidades, há uma "predominância de imigrantes alemães" entre esses primeiros habitantes, o que reflete os fluxos migratórios mais consistentes para o Rio Grande do Sul na época. No entanto, o documento também aponta para a presença de "alguns italianos", indicando que a diversidade étnica, característica intrínseca de Ijuí, já começava a se manifestar desde os seus primeiros dias.
É importante ressaltar que o primeiro grupo a se deslocar diretamente de Porto Alegre para Ijuí partiu apenas em 20 de novembro de 1890, chegando ao destino final em 10 de janeiro de 1891. Isso significa que, nos primeiros meses após a inauguração, a população da colônia era composta por uma mistura de pioneiros que chegaram em datas ligeiramente diferentes e por aqueles que já estavam na região. A vida nesses primórdios era marcada pela rusticidade, pela adaptação a barracões de madeira e pela construção de uma comunidade a partir do zero, com cada família carregando consigo não apenas seus pertences, mas também suas esperanças e a árdua tarefa de transformar a promessa de terra em realidade.
3.1.3. A rápida expansão da Colônia
Ainda que a inauguração oficial tenha sido modesta em termos de número de famílias inicialmente assentadas na sede, a Colônia Ijuhy demonstrou uma notável capacidade de atração e crescimento nos seus anos iniciais. A "rápida expansão da colônia" é evidenciada por dados que indicam a chegada de 340 famílias já em fevereiro de 1891, apenas quatro meses após a inauguração oficial. Esse número expressivo demonstra o sucesso da política de colonização e a efetividade da propaganda governamental, que buscava direcionar fluxos migratórios para a nova área.
Diversos fatores contribuíram para esse vigoroso processo de povoamento. Primeiramente, as políticas de atração de imigrantes do governo do Rio Grande do Sul e do governo federal eram ativas, oferecendo condições (ainda que nem sempre ideais) para a aquisição de terras e o estabelecimento familiar. A disponibilidade de terras virgens, mesmo que desafiadoras devido à mata, era um forte atrativo para camponeses europeus sem acesso à propriedade em seus países de origem. Além disso, a reputação da colônia, construída a partir dos relatos dos primeiros assentados e da organização inicial (como a demarcação de lotes por Siqueira Couto), começava a se espalhar.
Colonizadores junto ao Barracão
O fluxo contínuo de novos colonos, buscando oportunidades na agricultura e no comércio, transformou rapidamente a "cidadezinha da colônia" em um assentamento em plena efervescência. Esse crescimento acelerado, por sua vez, impôs seus próprios desafios logísticos e sociais. A infraestrutura básica precisava ser rapidamente expandida, o acesso à terra e aos recursos naturais gerava novas demandas, e a convivência entre os diferentes grupos étnicos exigia constantes adaptações sociais. Contudo, essa dinâmica de expansão foi crucial para a consolidação de Ijuí, pavimentando o caminho para seu desenvolvimento em um importante centro regional.
3.2. A diversidade étnica nos primórdios de Ijuí
A identidade de Ijuí é intrinsecamente ligada à sua multiculturalidade. Desde os primeiros anos de sua fundação, a colônia se destacou como um verdadeiro laboratório de convivência entre os mais variados grupos étnicos. Essa diversidade não foi um mero acaso, mas o resultado das políticas migratórias e da atração exercida pela promessa de terras e oportunidades, que fizeram da região um ponto de encontro para povos de diferentes cantos do mundo.
3.2.1. O Censo de 1896: brasileiros, poloneses e o termo "Russos"
Para compreender a complexidade demográfica de Ijuí em seus primeiros anos, o censo realizado em 1896 é uma fonte documental de inestimável valor. Este levantamento revelou uma composição étnica já bastante diversificada na Colônia Ijuí, o que atesta a eficácia da política de atração de imigrantes e a rápida formação de uma sociedade plural.
Um dos dados mais notáveis é que 53,5% da população foi classificada como "brasileira". É crucial entender que essa categoria, na época, abrangia não apenas os imigrantes recém-chegados que haviam se naturalizado, mas, e principalmente, seus descendentes nascidos em solo brasileiro. Essa inclusão de mais de mil posseiros no censo complementar de 1897 reforça a predominância de brasileiros, mas também levanta questões sobre a fluidez da identidade nacional em um contexto de intensa imigração e formação de novas comunidades. A questão da identidade era complexa e se modificava conforme as gerações se estabeleciam e se integravam à nova pátria.
Entre os imigrantes estrangeiros, a comunidade polonesa despontava como a maior, representando 16,3% da população total da colônia. Sua presença significativa atesta a força da imigração eslava para o Sul do Brasil. No entanto, o censo de 1896 também revela uma considerável mobilidade populacional, com muitos poloneses, posteriormente, migrando para outras regiões, como Guarani das Missões. Essa dinâmica migratória secundária demonstra que o assentamento inicial em Ijuí era, para alguns, apenas uma etapa em uma jornada maior em busca de terras ou melhores condições de vida.
Um aspecto particularmente interessante do censo é a categoria "russos". A análise histórica revela que esse termo, na prática, englobava uma miríade de grupos étnicos que viviam sob o domínio do Império Russo e que, por diversas razões (perseguição política, religiosa, econômica), buscaram refúgio no Brasil. Assim, sob a designação de "russos", encontravam-se poloneses (além daqueles já registrados), lituanos, letos e teuto-russos. Essa categorização explica a aparente predominância de um único grupo, quando na verdade havia uma rica tapeçaria de nacionalidades e culturas sob uma única bandeira geopolítica da época. O censo de 1896 é, portanto, uma fotografia valiosa da diversidade ijuiense em seus primórdios, mesmo com as nuances e complexidades de suas classificações.
ETNIA
%
Brasileiros
53,5%
Poloneses
16,3%
Russos
12,2%
Alemães
7,3%
Italianos
4,3%
Outros
6,4%
Censo de 1896
3.2.2. A Distribuição espacial dos imigrantes
A organização espacial da Colônia de Ijuí, desde os seus primórdios, não foi aleatória, mas seguiu um padrão que refletia, em grande medida, a origem étnica e as crenças religiosas dos imigrantes. Essa segregação geográfica, muitas vezes facilitada pela própria administração da colônia, visava promover a coesão comunitária dentro de cada grupo, permitindo que mantivessem suas tradições, línguas e instituições sociais e religiosas.
Um exemplo claro dessa distribuição pode ser observado na concentração da comunidade polonesa, que se estabeleceu predominantemente nas linhas 1, 4 e 7 leste. Essas "linhas" eram os eixos viários a partir dos quais os lotes coloniais eram distribuídos linearmente, criando comunidades que se estendiam pelo interior e facilitavam a organização social dos colonos de mesma origem.
Outro caso emblemático é o de Coronel Barros, que à época era parte do território de Ijuí. Ali, houve uma clara separação entre as famílias alemãs, distinguindo-se as evangélicas, que foram assentadas no leste da localidade, e as católicas, localizadas no oeste. Essa divisão demonstra como a religião, juntamente com a etnia, desempenhava um papel fundamental na formação dos núcleos comunitários. A mesma preferência por agrupar famílias alemãs foi observada em Alto da União e, de certa forma, no próprio núcleo urbano de Ijuí, que, com o tempo, evoluiria para se tornar um centro de diversidade étnica, um ponto de convergência para todas essas diferentes correntes culturais.
Os italianos, por sua vez, concentraram-se majoritariamente nas colônias Santo Antônio e Barreiro. Essas localidades se tornaram redutos da cultura italiana, onde a língua, a culinária e as tradições foram preservadas e transmitidas entre as gerações.
A chegada da comunidade letã em 1892 ilustra ainda mais essa dinâmica. Eles se estabeleceram nas linhas 10 e 11 leste, onde imediatamente começaram a construir os primeiros locais de culto e educação do interior da colônia. A Igreja Batista Leta, mencionada anteriormente em relação à "Aula Letta", é um exemplo de como a fé e a educação estavam intrinsecamente ligadas à vida comunitária dessas etnias. Essa distribuição espacial, embora promovesse a coesão interna dos grupos, também criava uma colcha de retalhos culturais, onde cada "pedaço" representava uma nacionalidade, uma língua e um conjunto de tradições, que, juntas, formariam a rica e complexa identidade de Ijuí.
3.2.3. Outras Etnias contribuintes: Austríacos, Suecos, etc.
Embora os censos e os registros iniciais frequentemente destaquem os grupos mais numerosos, como alemães, poloneses e italianos, a verdadeira riqueza do mosaico étnico de Ijuí reside na contribuição de uma miríade de outras nacionalidades. Esses grupos, mesmo que em menor número, trouxeram consigo suas próprias culturas, saberes e tradições, enriquecendo ainda mais o tecido social da colônia.
Além das etnias já mencionadas, Ijuí recebeu ao longo do tempo imigrantes austríacos, suecos, espanhóis, franceses, holandeses, etc. Cada um desses grupos, com suas peculiaridades, contribuiu para a formação da comunidade ijuiense. Os suecos, por exemplo, trouxeram suas técnicas agrícolas e sua religiosidade, enquanto os belgas e franceses, por vezes, se inseriam em atividades comerciais ou de prestação de serviços. Os lituanos, já mencionados como parte do grupo "russos" nos censos iniciais, também tiveram sua própria onda de imigração e se estabeleceram em áreas específicas.
Em períodos posteriores, a diversidade continuou a crescer, com a chegada de novos grupos. Um exemplo notável é a imigração de japoneses para a região, que, embora em menor número, também deixaram sua marca, especialmente na agricultura e na culinária. Essa constante afluência de diferentes povos, ao longo de décadas, transformou Ijuí em um verdadeiro laboratório de convivência multicultural.
Essa rica diversidade étnica não é apenas um dado histórico, mas um elemento vivo que define a identidade de Ijuí até os dias de hoje. A cidade não apenas acolheu esses povos, mas os integrou de tal forma que a pluralidade se tornou sua marca registrada e motivo de orgulho. Esse reconhecimento se manifestou em diversos títulos honoríficos que Ijuí acumulou ao longo do tempo:
"Colméia do Trabalho" (1944): Um concurso promovido pelo Jornal Correio Serrano elegeu este codinome, que já destacava a natureza laboriosa e produtiva de sua população multiétnica.
"Terra das Culturas Diversificadas" (2009): Este título evidenciou a rica tapeçaria cultural que se consolidou na cidade, celebrando a convivência harmoniosa de diferentes heranças.
"Capital Nacional das Etnias" (2021): Um reconhecimento concedido pelo Congresso Nacional, elevando Ijuí a um patamar de destaque nacional por sua exemplar diversidade étnica.
"Capital Mundial das Etnias" (2022): O ápice desse reconhecimento ocorreu com a chancela da UNESCO, que conferiu à cidade este título de projeção global. Essa honraria é um testemunho dos esforços contínuos de Ijuí em promover, valorizar e celebrar a pluralidade cultural como um valor universal, solidificando seu papel como um farol de diversidade no mundo.
A história dessas "outras" etnias, muitas vezes nas entrelinhas dos grandes registros, é fundamental para compreender a complexidade e a profundidade da identidade ijuiense, que se reflete em sua gastronomia, em suas festas, em suas instituições e, principalmente, no espírito aberto e acolhedor de seu povo.
3.3. Os Desafios da ocupação e as disputas por terra
A história da colonização, em qualquer parte do mundo, é raramente um conto idílico de paz e prosperidade instantânea. Em Ijuí, o processo de ocupação das terras, embora planejado, não foi isento de dificuldades, tensões e, por vezes, conflitos. As adversidades naturais e as complexas relações humanas, especialmente as disputas pela terra, foram elementos que moldaram profundamente a experiência dos primeiros colonos e das populações já estabelecidas.
3.3.1. A Presença dos nacionais (caboclos) antes da chegada dos colonos
A narrativa de que os imigrantes europeus chegaram a uma "terra virgem" em Ijuí é, em grande parte, um mito. A história da ocupação da região se estende por muitos anos antes da fundação oficial da colônia em 1890, revelando uma densa camada de ocupação pré-existente. Os primeiros habitantes, com raízes profundas na região, eram os indígenas, que ocupavam o território há séculos, deixando suas marcas culturais e seu conhecimento do ambiente.
Com a chegada dos colonizadores portugueses e o subsequente desenvolvimento da miscigenação, a população da região diversificou-se. Essa mistura deu origem aos "caboclos" e a outras comunidades que, por volta de 1820, já exerciam alguma forma de ocupação e uso da terra. A região do rio Ijuí e seus afluentes, por exemplo, começou a ser utilizada por grandes proprietários de terras que se estabeleciam nos campos para a criação de gado. Paralelamente, pequenos agricultores, muitos deles caboclos, buscavam as áreas de mata para desenvolver suas atividades de subsistência e até mesmo para a extração da erva-mate, que gerava renda e sustentava milhares de pessoas.
Essa presença de "nacionais" – descendentes de portugueses, indígenas e africanos – antes mesmo da chegada em massa dos imigrantes europeus, é um ponto crucial. Eles já possuíam um modo de vida estabelecido, um conhecimento profundo da terra e, em muitos casos, ocupavam as áreas sem títulos de propriedade formais, baseando-se no uso e no costume. Essa realidade preexistente seria uma fonte de tensões e desafios quando os lotes coloniais fossem demarcados e distribuídos aos recém-chegados europeus, que vinham com a promessa de posse legal da terra.
3.3.2. O conflito por títulos de propriedade
A colonização de Ijuí, ao invés de ser um processo linear e harmonioso, trouxe consigo um "complexo cenário de disputas pela terra". A chegada dos imigrantes europeus, que vinham com a expectativa de adquirir lotes próprios, deparou-se com uma realidade inesperada: uma região já ocupada por moradores locais, os "nacionais", muitos deles sem títulos de propriedade formal.
Essa situação gerou um conflito fundiário significativo. As terras eram consideradas juridicamente pertencentes ao governo estadual ou a grandes fazendeiros, que tinham o direito legal de vendê-las aos novos colonos. Na prática, isso significava que os ocupantes originais, muitas vezes vivendo há gerações naquelas terras, não tinham o reconhecimento legal de sua posse. Sem a posse de documentos que comprovassem sua propriedade – um luxo que poucos "nacionais" possuíam na época – eles se viram em uma posição de vulnerabilidade extrema.
A venda das terras a colonos estrangeiros, que chegavam com alguma reserva financeira ou com o apoio do governo para a compra e o financiamento dos lotes, marginalizou as populações pré-existentes. Aqueles que não possuíam recursos financeiros para registrar suas terras ou para arcar com os custos burocráticos foram, em muitos casos, compelidos a sair. Sem alternativas viáveis para a manutenção de suas propriedades e de seu modo de vida, muitos foram obrigados a buscar trabalho como empregados em fazendas de gado, nas serrarias que começavam a surgir para beneficiar a madeira da mata derrubada, ou nas obras de infraestrutura, como a abertura de estradas e a construção de ferrovias. Essa transição forçada de pequenos proprietários ou posseiros para mão de obra assalariada representou uma ruptura social e econômica profunda para essas comunidades, cujo impacto reverberou por gerações.
3.3.3. A adaptação dos colonos: clima, solo e vida na mata
Além das complexas disputas sociais e fundiárias, os primeiros colonos de Ijuí enfrentaram uma série de desafios práticos e ambientais que testaram sua resiliência. A nova terra, embora prometesse oportunidades, apresentava condições muito distintas daquelas a que estavam acostumados em seus países de origem, exigindo uma adaptação árdua e contínua.
A "adaptação ao clima" foi um dos primeiros obstáculos. Acostumados aos invernos rigorosos da Europa Central e Oriental e aos verões temperados, os imigrantes depararam-se com o clima subtropical do Rio Grande do Sul, com seus verões quentes e úmidos e invernos mais amenos, mas ainda com períodos de frio. A exposição a novas doenças tropicais, a flora e fauna desconhecidas, e a necessidade de ajustar suas práticas agrícolas a um novo regime de chuvas e temperaturas foram desafios significativos.
O "solo" de Ijuí, embora fértil após o desmatamento, também exigia aprendizado. A densa mata que cobria a região precisava ser derrubada, um trabalho exaustivo e perigoso, realizado com ferramentas rudimentares. Uma vez limpo, o solo, que se formou pela decomposição do basalto e apresenta coloração avermelhada devido ao óxido de ferro (característico do planalto basáltico), demandava técnicas de cultivo específicas. A "falta de experiência agrícola" nesse tipo de ambiente e com novas culturas (como a mandioca, que se tornaria importante posteriormente) dificultava o processo inicial.
A "vida na mata" era, por si só, uma experiência transformadora. O isolamento, a ausência de recursos e serviços básicos (como assistência médica, educação regular e comércio diversificado) e a necessidade de "trabalho árduo" para garantir a subsistência eram a rotina diária. A vida na colônia era marcada pela solidão e pela dependência mútua entre os colonos, que precisavam cooperar para superar as adversidades. Além disso, as "diferenças culturais" entre as diversas etnias, embora fossem uma riqueza, também exigiam um esforço de compreensão e convivência, somando-se aos desafios do processo de colonização.
Apesar de todas essas dificuldades, a resiliência dos imigrantes e sua capacidade de adaptação foram notáveis. Com a experiência trazida de suas terras natais, com a ajuda mútua e com a persistência incansável, eles foram aos poucos transformando a mata virgem em lavouras produtivas, construindo suas casas, suas igrejas, suas escolas e, finalmente, as bases para uma comunidade próspera e diversificada.