Capítulo 6: Indústria: crescimento, transformações e resiliência

Se a agricultura foi a base de Ijuí, a indústria representou o passo além, diversificando a economia e consolidando a cidade como um polo de desenvolvimento. Desde os primeiros passos, impulsionada pela chegada de infraestruturas vitais, o setor industrial de Ijuí passou por ciclos de crescimento, enfrentou desafios e demonstrou notável resiliência, adaptando-se às transformações econômicas e tecnológicas em escala nacional e global.

6.1. O Impulso inicial: ferrovia e empresas pioneiras

O desenvolvimento industrial de Ijuí está intrinsecamente ligado à chegada da ferrovia, em 1911. Este evento, conforme abordado no Capítulo 4, não apenas facilitou o escoamento da produção agrícola, mas também se configurou como o principal catalisador para o surgimento e a expansão do setor industrial na cidade. A partir desse momento, a capacidade de Ijuí de produzir e distribuir seus bens alcançou um novo patamar, permitindo que a produção local atendesse não apenas a demanda interna da colônia, mas também a de outras regiões do estado e, eventualmente, do país.

Esse novo cenário logístico incentivou o surgimento de empresas pioneiras com beneficiamento de matérias-primas locais e na produção de bens de consumo e equipamentos. Entre as primeiras e mais importantes, merecem menção:

A localização estratégica dessas e de outras indústrias nas proximidades da estação ferroviária e dos armazéns permitia um fluxo eficiente de insumos e produtos acabados. A ferrovia, ao baratear e agilizar o transporte, conferiu a Ijuí uma vantagem competitiva, atraindo mais empreendedores e impulsionando a diversificação econômica. Essa fase inicial foi crucial para solidificar a reputação de Ijuí como um centro produtivo e empreendedor no noroeste gaúcho, lançando as sementes para um crescimento industrial mais robusto nas décadas seguintes.

6.2. O Contexto nacional: Grande Depressão de 1930 e industrialização brasileira

O processo de industrialização de Ijuí, como o de muitas outras cidades brasileiras, não ocorreu no vácuo. Foi profundamente influenciado por eventos e tendências em escala nacional e global. A Grande Depressão de 1930, embora tenha sido uma crise econômica de proporções mundiais, paradoxalmente, acelerou o processo de industrialização no Brasil.

Antes da crise, a economia brasileira era predominantemente agrária, com forte dependência das exportações de café. A queda abrupta dos preços internacionais do café e o colapso do comércio global, decorrentes da Depressão, expuseram a vulnerabilidade desse modelo econômico. A necessidade de diversificar a economia e de reduzir a dependência de importações de bens industrializados tornou-se uma prioridade nacional. Esse cenário levou à implementação de políticas que incentivaram a produção industrial interna, muitas vezes por meio de substituição de importações.

Essa mudança no cenário econômico brasileiro teve um impacto direto e significativo em Ijuí. Com o aumento da demanda por produtos industrializados em todo o país, e com o acesso facilitado pela ferrovia, a cidade se tornou um ponto estratégico para o investimento industrial. Novas fábricas foram instaladas, aproveitando as matérias-primas locais (agrícolas e madeireiras) e a força de trabalho crescente.

A expansão industrial transformou não apenas a economia, mas também a própria paisagem urbana de Ijuí. A cidade começou a ver o surgimento de mais galpões industriais, o aumento da movimentação de cargas e pessoas, e, o mais importante, a geração de novos empregos. Esses postos de trabalho atraíram mais habitantes, tanto do interior do município quanto de outras regiões, fomentando o crescimento populacional e a urbanização. Ijuí, assim, alinhava-se à tendência nacional de industrialização, consolidando sua vocação não apenas como polo agrícola, mas também como um centro manufatureiro em ascensão, mesmo em um período de crise global.

6.3. Força de trabalho e formação de bairros industriais

A industrialização crescente de Ijuí, impulsionada pela chegada da ferrovia e pelo contexto econômico nacional pós-1930, gerou uma demanda substancial por mão de obra. Essa necessidade atraiu um grande número de trabalhadores para a cidade, muitos deles provenientes de fluxos migratórios significativos.

Uma parcela considerável dessa força de trabalho era composta por imigrantes europeus que continuaram a chegar ao Brasil, e especificamente ao Rio Grande do Sul, nas décadas de 1920 e 1930. Esses imigrantes, que por vezes não encontraram terras ou oportunidades no meio rural, ou que possuíam habilidades manufatureiras, viram nas fábricas de Ijuí uma nova chance de prosperar. Além dos imigrantes, a cidade também recebeu um fluxo constante de trabalhadores rurais que migravam do campo em busca de melhores oportunidades de emprego nas indústrias em expansão. Esse êxodo rural, que se intensificaria nas décadas seguintes, já dava seus primeiros sinais, trazendo para o ambiente urbano uma população com novas necessidades e expectativas.

A concentração de indústrias em determinadas áreas da cidade, por sua vez, contribuiu decisivamente para a formação de bairros industriais. Esses bairros surgiram como polos de moradia para os trabalhadores, muitos deles construídos ou planejados em torno das grandes fábricas. Eles se tornaram característicos da paisagem urbana de Ijuí, distinguindo-se das áreas mais comerciais ou residenciais. Nesses bairros, as relações sociais eram moldadas pela proximidade do local de trabalho, pela convivência entre famílias de diferentes origens (imigrantes e migrantes internos) e pela organização de atividades comunitárias. A vida nesses bairros girava em torno dos horários das fábricas, das demandas de produção e das lutas por melhores condições de trabalho e moradia. A formação desses núcleos operários foi um reflexo direto do desenvolvimento industrial e um elemento chave na transformação social e urbana de Ijuí, criando uma nova classe trabalhadora urbana e alterando a dinâmica demográfica da cidade.

6.4. Panorama industrial em 1940: setores e destaques

O ano de 1940, que marcou o cinquentenário da fundação de Ijuí, foi também um momento de balanço e celebração do progresso alcançado. O Álbum Comemorativo do Cinquentenário da Fundação da cidade trouxe um relatório detalhado que revelou um cenário industrial em plena efervescência, demonstrando a consolidação de Ijuí como um polo manufatureiro.

A pesquisa identificou nada menos que 89 estabelecimentos industriais em funcionamento. Essa quantidade substancial de indústrias cobria uma gama diversificada de setores, refletindo a capacidade da cidade de beneficiar suas matérias-primas e atender a uma variedade de demandas. Os principais setores abrangiam:

Entre todos os setores, a indústria do vinho se destacava. Os registros apontavam que era o segmento que concentrava o maior número de fábricas. Esse destaque não é fortuito; é um reflexo direto da forte presença de colonos europeus, especialmente italianos e alemães, que trouxeram consigo a cultura da vitivinicultura e o conhecimento para transformar uvas em vinho. As vinícolas, muitas vezes pequenas e familiares no início, contribuíam significativamente para a economia local e para a identidade cultural da cidade.

Além dos estabelecimentos industriais, o relatório de 1940 também ressaltava a robusta importância econômica de Ijuí, com o registro total de 629 empresas, abrangendo tanto a área urbana quanto a rural. Esse dado abrangente, que incluía o comércio, serviços e a própria atividade agrícola organizada, solidificava a posição de Ijuí como um centro econômico vital no Rio Grande do Sul. O ano de 1940, portanto, não apenas celebrou o passado, mas também projetou a imagem de uma Ijuí dinâmica, diversificada e em pleno crescimento industrial.



6.5. Desafios e adaptação (1970-1990): matéria-prima, concorrência e tecnologia

A prosperidade industrial de Ijuí, consolidada até meados do século XX, enfrentaria novos e complexos desafios entre as décadas de 1970 e 1990. Este período foi marcado por uma série de transformações em escala global e nacional que impactaram diretamente o setor produtivo local, exigindo grande capacidade de adaptação.

Um estudo mais recente, realizado por Danilo Lazzarotto em 2002, analisou essas transformações e identificou uma oscilação notável: uma queda no número de estabelecimentos industriais entre os anos de 1970 e 1980, seguida de uma recuperação na década seguinte. Essa flutuação foi influenciada por diversos fatores interligados:

Esses desafios exigiram do setor industrial de Ijuí uma profunda capacidade de adaptação e reinvenção. Muitas empresas não resistiram, mas outras buscaram nichos de mercado, investiram em tecnologia e em diferenciação, garantindo a resiliência do parque industrial ijuiense.

6.6. Empresas tradicionais que resistem: IMASA e Balas Soberanas

Apesar das turbulentas transformações e dos desafios econômicos enfrentados pelo setor industrial de Ijuí entre as décadas de 1970 e 1990, algumas empresas tradicionais conseguiram não apenas sobreviver, mas se adaptar e continuar a operar, demonstrando uma notável resiliência do setor produtivo de Ijuí. Esses casos de sucesso são emblemáticos da capacidade empreendedora e da perspicácia empresarial da cidade.

Dois exemplos notáveis dessa capacidade de adaptação e persistência são:

Essas empresas, assim como outras que conseguiram se manter ativas, foram capazes de "acompanhar as transformações da sociedade" e se consolidar como importantes players em seus respectivos segmentos. Elas investiram em modernização, em gestão de custos, em pesquisa e desenvolvimento, e em estratégias de marketing que as mantiveram relevantes.

O Álbum Comemorativo do Centenário de Emancipação da Cidade de Ijuí, em 1962, já apresentava um panorama robusto do setor, com mais de 600 estabelecimentos industriais. A cidade havia se consolidado como um polo industrial, com destaque para os setores madeireiro, metalúrgico e alimentício. Além disso, a exploração de fontes hidrominerais contribuía para o desenvolvimento econômico da região. Os casos da IMASA e das Balas Soberanas, portanto, não são isolados, mas representam a continuidade de uma tradição industrial forte em Ijuí, que, apesar de perdas e reestruturações, demonstrou capacidade de se reinventar e seguir produzindo e gerando empregos. Eles são a prova de que a visão e o trabalho continuam a ser pilares fundamentais da identidade econômica de Ijuí.