Capítulo 2: O Rio Grande do Sul e a chegada dos imigrantes

Para entender a particularidade da imigração em Ijuí, é fundamental contextualizá-la no cenário mais amplo do Rio Grande do Sul. O estado gaúcho, ao longo do século XIX e início do XX, tornou-se um dos principais destinos para os fluxos migratórios europeus. As políticas de povoamento e o anseio por mão de obra agrícola e industrial moldaram um perfil demográfico e cultural que distingue a região no panorama brasileiro. Este capítulo, portanto, serve como o pano de fundo para a chegada e o estabelecimento dos diversos grupos étnicos que viriam a construir Ijuí.

2.1. O Povoamento Gaúcho antes de 1850: estâncias e latifúndios

Antes da chegada em massa dos imigrantes europeus, por volta de 1850, o perfil do povoamento do território gaúcho era dramaticamente distinto daquele que viria a ser moldado pela colonização. A paisagem socioeconômica do Rio Grande do Sul era dominada pelas grandes estâncias, vastas propriedades rurais dedicadas quase que exclusivamente à criação de gado. Essa forma de ocupação, intrínseca à história do Pampa e da Campanha Gaúcha, estabelecia uma estrutura fundiária caracterizada por latifúndios extensos, onde a criação de gado era a principal atividade econômica e a mão de obra, frequentemente, era predominantemente escrava ou vinculada por relações de dependência.

Nesse modelo agrário-pastoril, a terra era valorizada pela sua extensão e pela capacidade de sustentar grandes rebanhos, e não pela sua fertilidade para o cultivo intensivo. As poucas aglomerações urbanas existentes funcionavam mais como pontos de apoio comercial e estratégico para as estâncias do que como centros de desenvolvimento autônomo. A população era esparsa, concentrada em povoados ou nas sedes das fazendas, e a economia girava em torno do charque, do couro e de outros derivados pecuários.

Mapa do RS com os primeiros municípios

Esse cenário contrastava radicalmente com o modelo de povoamento que seria introduzido pelos imigrantes europeus. Enquanto os estancieiros buscavam a grandeza territorial para o gado, os imigrantes sonhavam com a pequena propriedade, com a terra para ser cultivada intensivamente com a família, uma visão que traria consigo uma revolução nas relações de trabalho, na produção agrícola e na própria configuração social do estado. A compreensão dessa dicotomia é fundamental para apreciar os desafios e as oportunidades que se apresentariam aos recém-chegados.

2.2. A Busca por terras: ocupação de matas e áreas elevadas

Com a intensificação da chegada de imigrantes europeus ao Rio Grande do Sul, a partir da segunda metade do século XIX, a busca por terras férteis para cultivar rapidamente se tornou uma questão central. A grande maioria desses imigrantes, oriundos de países com escassez de terras e alta densidade populacional, vinha para o Brasil com a promessa de se tornarem proprietários e agricultores independentes. Contudo, ao chegarem, deparavam-se com uma realidade desafiadora: as áreas mais férteis, planas e de fácil acesso do território gaúcho já estavam amplamente ocupadas. Essas terras privilegiadas, situadas em regiões como a Campanha e a Depressão Central, estavam consolidadas sob o domínio das grandes fazendas de criação de gado, o modelo predominante de povoamento até então.

Diante desse cenário, os imigrantes foram compelidos a se fixarem em regiões menos cobiçadas pelos latifundiários. Acabaram por se estabelecerem nas áreas mais elevadas e de maior densidade de mata, localizadas principalmente ao norte do estado. Essas regiões, embora oferecessem um solo potencialmente fértil uma vez desmatado, apresentavam desafios consideráveis. O terreno acidentado, a necessidade de derrubar a mata virgem para abrir roçadas e a falta de infraestrutura básica tornavam a vida do colono pioneiro uma verdadeira odisseia de trabalho árduo e resiliência.

Apesar das dificuldades impostas pelo ambiente, essas áreas ofereceram "novas oportunidades" para os colonos. Nelas, o modelo de povoamento que prevaleceu foi o da pequena propriedade e da agricultura familiar. Os lotes distribuídos aos colonos eram significativamente menores em comparação com os vastos latifúndios, o que permitia uma relação mais íntima com a terra e um trabalho predominantemente realizado pelos membros da própria família. Dedicavam-se à policultura para o autoconsumo e à comercialização de excedentes, buscando não apenas a subsistência, mas também o acúmulo de capital para o futuro. Essa forma de ocupação e produção, intensiva e diversificada, contrastava acentuadamente com a pecuária extensiva das grandes fazendas, desenhando um novo perfil socioeconômico para o Rio Grande do Sul e pavimentando o caminho para o surgimento de núcleos como Ijuí.

2.3. As Primeiras ondas imigratórias: Alemães, Italianos e a importância dos rios

O processo de ocupação do território gaúcho por imigrantes europeus não foi homogêneo, mas se deu de forma gradual e com características diferenciadas para cada grupo étnico, moldando paisagens culturais distintas dentro do estado.

Os primeiros a chegarem em grande escala foram os alemães, a partir de 1824. Estabeleceram-se inicialmente em áreas mais baixas da encosta do planalto, como as que hoje compreendem São Leopoldo e Novo Hamburgo. Eles trouxeram consigo a expertise em técnicas agrícolas e manufatureiras, contribuindo para o desenvolvimento de pequenas indústrias e a diversificação da produção local.

Já os italianos, que iniciaram sua imigração em maior volume a partir de 1875, escolheram as regiões mais elevadas do nordeste gaúcho, como as que formariam a Serra Gaúcha. Sua experiência com a vitivinicultura e a agricultura intensiva em terrenos montanhosos foi fundamental para o sucesso de seus assentamentos.

Apesar das diferenças nas datas de chegada e nas regiões de assentamento inicial, um fator comum e de extrema importância para ambas as nacionalidades era a proximidade de rios. A água era um recurso essencial para a vida nas colônias: para a agricultura (irrigação), para a criação de animais (dessedentação do rebanho) e, fundamentalmente, para o transporte de pessoas e mercadorias. Muitos desses rios serviam como vias naturais de escoamento da produção e de conexão com outros centros, antes mesmo da chegada das estradas e ferrovias. Essa dependência hídrica moldou a escolha dos locais de assentamento e influenciou a organização espacial das colônias.

A partir desses primeiros núcleos coloniais, tanto alemães quanto italianos, e seus descendentes, expandiram-se. Em busca de novas terras e oportunidades, muitos se aventuraram em áreas mais distantes, contribuindo ativamente para o povoamento de localidades emergentes, como Ijuí. Essa expansão secundária, vinda de colônias já estabelecidas, trouxe consigo não apenas o conhecimento e a experiência acumulados na agricultura e na organização comunitária, mas também os traços culturais, religiosos e linguísticos que iriam compor o riquíssimo mosaico étnico da futura Ijuí.