Capítulo 9: Religião: a formação das comunidades de fé
A fé foi um elemento aglutinador crucial para os imigrantes que chegaram a Ijuí, oferecendo conforto, coesão social e um senso de comunidade em um ambiente desconhecido. As igrejas, mais do que simples locais de culto, tornaram-se centros de vida social e cultural, ajudando a preservar tradições e a adaptar-se à nova realidade. Este capítulo explora o surgimento e o desenvolvimento de algumas comunidades religiosas em Ijuí.
9.1. Comunidade Evangélica: fundação (1895) e primeiros pastores
A fé protestante foi uma das primeiras a se organizar formalmente em Ijuí, refletindo a significativa presença de imigrantes de origem germânica. A Comunidade Evangélica de Ijuí, a mais antiga do município, teve sua data de fundação oficial em 19 de janeiro de 1895. Antes dessa formalização, a assistência religiosa aos imigrantes evangélicos era prestada de forma esporádica pelo pastor Friedrich Pechmann, que realizava visitas à recém-criada Colônia de Ijuí.
A necessidade de um acompanhamento espiritual contínuo levou à designação do pastor Gerhard Dedeke, que se tornou o primeiro pároco a estabelecer residência em Ijuí, chegando em janeiro de 1895. Sua presença foi fundamental para a organização dos fiéis, a realização regular de cultos e a consolidação das bases da comunidade. O pastor Dedeke permaneceu em Ijuí até 1899, quando foi substituído pelo pastor Schenke, que exerceu suas funções até 1902.
Um período de grande fortalecimento e organização da Comunidade Evangélica ocorreu a partir de 1903, com a chegada do pastor Hermann Rosenfeld. Durante os nove anos em que permaneceu em Ijuí, o pastor Rosenfeld dedicou-se intensamente a dar uma "sólida estrutura" à comunidade. Suas iniciativas incluíram a criação de uma escola paroquial, evidenciando o papel da igreja na educação dos jovens colonos. Além disso, ele deu início à construção da emblemática Igreja da Cruz, um dos símbolos arquitetônicos da cidade, e organizou pontos de pregação e assistência espiritual em diversas localidades que viriam a se tornar futuras paróquias, como Serra Cadeado (hoje Augusto Pestana), Ajuricaba e Coronel Barros. A atuação desses primeiros pastores foi crucial não apenas para a vida espiritual, mas também para a coesão social e a formação da identidade dos colonos de fé evangélica, que encontraram na igreja um porto seguro em terra estranha.
9.2. A Igreja da Cruz e o crescimento evangélico
A Igreja da Cruz é um dos marcos mais reconhecíveis da Comunidade Evangélica de Ijuí, sua construção e expansão simbolizando o crescimento e a solidificação da fé protestante na região. Iniciada pelo pastor Hermann Rosenfeld, a obra foi continuada e concluída pelos seus sucessores, tornando-se um ponto central para a vida religiosa e social da comunidade.
Após a partida de Rosenfeld, o pastor Karl Gottschald assumiu a liderança, deixando sua marca ao fundar a Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas, uma importante organização de apoio e serviço comunitário. Foi sob sua gestão que a Igreja da Cruz foi finalmente inaugurada, em 8 de maio de 1914, um evento de grande júbilo para os fiéis.
Outros pastores também contribuíram significativamente. O pastor Gustav Halle é lembrado por ter sido em sua gestão que a comunidade adquiriu o relógio para a torre da igreja, um elemento que, além da funcionalidade, conferia um status e uma presença mais marcante ao templo. Posteriormente, o pastor Franz Kreutler liderou a construção da primeira Casa da Comunidade, um espaço vital para reuniões, eventos sociais e atividades paroquiais, que se tornou um centro de convivência.
No entanto, um dos períodos de maior impacto na história da Comunidade Evangélica foi a longa gestão do pastor Ernst Jost, que permaneceu à frente da Comunidade Evangélica por um impressionante período de 21 anos, de 1942 a 1963. O pastor Jost foi um "grande impulsionador do atual Colégio Evangélico Augusto Pestana", consolidando a tradição educacional da igreja e aprimorando a qualidade do ensino oferecido. Sua liderança forte e duradoura contribuiu para o crescimento não apenas espiritual, mas também institucional da comunidade, que se expandiu e se consolidou como uma das mais influentes da cidade. Atualmente, a Comunidade Evangélica de Ijuí tem na sua liderança a pastora Ana Isa dos Reis, dando continuidade a uma história de mais de um século de fé e serviço. A presença da Igreja da Cruz e a vitalidade da comunidade evangélica em Ijuí são um testemunho da profunda influência dessa vertente religiosa na formação cultural e social da cidade.
9.3. Comunidade Católica: fundação (1896) e padre Antônio Cuber
A presença da fé católica em Ijuí, trazida por imigrantes de diversas origens (italianos, poloneses, espanhóis e luso-brasileiros), também se organizou formalmente nos primeiros anos da colônia, desempenhando um papel fundamental na vida social e espiritual dos colonos. A primeira Comunidade Católica de Ijuí foi fundada pelo padre polonês Antônio Cuber em 19 de janeiro de 1896, com a nova paróquia sendo dedicada a Nossa Senhora da Natividade.
Antes da chegada do padre Cuber, os serviços religiosos aos moradores católicos da Colônia de Ijuí eram atendidos de forma esporádica pelo padre Raphael Santoro, que era o vigário de Cruz Alta àquela época. A presença de um padre residente em Ijuí marcou um avanço significativo, permitindo um acompanhamento pastoral mais regular e a consolidação da comunidade.
Um aspecto particularmente notável da atuação do padre Antônio Cuber, que reflete a incrível diversidade étnica da colônia, era sua capacidade de se comunicar com os fiéis de múltiplas origens. Para garantir que sua mensagem fosse compreendida por todos, o padre Cuber chegava a proferir até "quatro sermões, em diferentes línguas", adaptando-se às necessidades linguísticas de brasileiros, alemães, italianos e poloneses. Essa prática sublinha a natureza multicultural de Ijuí e o desafio, e ao mesmo tempo a habilidade, dos líderes religiosos em servir a uma população tão heterogênea.
Durante sua gestão, o padre Antônio Cuber liderou a construção da primeira igreja, de madeira, um marco inicial para a comunidade católica. No entanto, a atuação do padre Cuber transcendia a esfera puramente religiosa. Ele se dedicou intensamente à educação, reconhecendo a importância da alfabetização para o progresso dos colonos. Fundou diversas escolas e promoveu a alfabetização da população local, evidenciando o papel social e transformador da igreja. Além disso, o padre Cuber também deixou um valioso legado documental: em 1898, como resultado de suas observações e registros, publicou a obra "Nas Margens do rio Uruguai", um documento histórico precioso que retrata os desafios e as conquistas dos primeiros colonizadores de Ijuí. Infelizmente, a saúde debilitada o obrigou a se afastar de suas atividades em agosto de 1915, e ele veio a falecer em novembro daquele ano, deixando um legado duradouro de serviço religioso, educacional e cultural.
9.4. A Paróquia Nossa Senhora da Natividade e a construção da matriz
A paróquia Nossa Senhora da Natividade, estabelecida pelo Padre Antônio Cuber, continuou a crescer e a evoluir após a partida de seu fundador. Com o aumento da comunidade católica e a necessidade de um templo maior e mais adequado, o projeto de construção da atual Igreja Matriz da Natividade foi iniciado, tornando-se um símbolo da força e da fé da população ijuiense.
Foi o padre João Schmidt, que dirigiu a paróquia de 1922 a 1924, quem deu os primeiros passos decisivos para a construção da nova igreja. Ele iniciou as obras, lançando as bases do que seria um templo imponente. Seu sucessor, o padre Armando Teixeira, assumiu a árdua tarefa de dar continuidade ao projeto e concluí-lo. O esforço conjunto da comunidade e a liderança do padre Teixeira resultaram na inauguração da nova igreja em 6 de fevereiro de 1927, um marco arquitetônico e espiritual para Ijuí. Além do templo, o padre Teixeira também foi responsável pela construção da casa paroquial e da primeira etapa do Salão São Luiz, ampliando a infraestrutura da paróquia para atividades pastorais e sociais.
A história da Paróquia da Natividade é marcada pela liderança duradoura do padre Pio José Busanello, que permaneceu à frente da paróquia por notáveis 32 anos (de 1932 a 1964). Durante sua gestão, o padre Busanello desempenhou um papel social ativo, fundando o Círculo Operário de Ijuí, uma iniciativa que visava apoiar os trabalhadores, e organizando e dirigindo o Coral Santa Cecília, que contribuiu para a vida cultural da comunidade.
Após a era do padre Busanello, diversos outros vigários atuaram na Paróquia da Natividade, cada um deixando sua contribuição para a comunidade católica ijuiense. Entre eles, destacam-se os padres Eno Emilio Luft, José Jungblut, Severino Zanatta, Stanislau Herba, José Poswa, Luiz Gazda, Luis Bruno Kolling, Marcos Rogério Denardin e Edson Roberto Menegazzi. Atualmente, o pároco é o padre Silvio Jorge Mazzarolo, que continua a rica tradição de serviço e evangelização da Paróquia Nossa Senhora da Natividade, mantendo-a como um centro vibrante da fé católica em Ijuí.
9.5. Líderes religiosos e seu papel na sociedade ijuiense
A influência das comunidades de fé em Ijuí vai muito além das celebrações litúrgicas e da construção de templos. Os líderes religiosos, tanto católicos quanto evangélicos, desempenharam um papel fundamental e multifacetado na formação e no desenvolvimento da sociedade ijuiense. Eles foram verdadeiros pilares não apenas espirituais, mas também sociais, educacionais e culturais, especialmente nos primórdios da colônia.
Em um ambiente onde a infraestrutura governamental e os serviços públicos eram ainda incipientes, as igrejas e seus representantes assumiram responsabilidades que hoje seriam de competência estatal. Eles eram os "anjos da guarda" e os organizadores das comunidades.
Educadores e Promotores da Alfabetização: Como visto, padres como Antônio Cuber e pastores como Hermann Rosenfeld foram precursores na fundação de escolas e na promoção da alfabetização. Eles reconheciam que a educação era a chave para a integração, o progresso e a autonomia dos colonos e seus filhos. As escolas paroquiais e ligadas às comunidades religiosas foram, por muito tempo, as principais instituições de ensino na colônia, garantindo o acesso ao conhecimento e a preservação das línguas e culturas de origem.
Assistência Social e Apoio aos Colonos: Em tempos de escassez e dificuldade, as igrejas eram centros de solidariedade. Os líderes religiosos organizavam redes de apoio para os recém-chegados, ajudando na adaptação à nova terra, oferecendo auxílio em momentos de crise, e servindo como conselheiros e mediadores de conflitos. Iniciativas como o Círculo Operário de Ijuí, fundado pelo Padre Pio José Busanello, são exemplos claros dessa atuação social, visando melhorar as condições de vida dos trabalhadores.
Coesão Comunitária e Preservação Cultural: Em uma colônia formada por tantas etnias, a fé se tornou um elo comum. Os líderes religiosos, ao celebrarem em diferentes línguas e ao respeitarem as particularidades culturais de cada grupo, contribuíram imensamente para a coesão social. Eles ajudaram a preservar as tradições, músicas, folclore e até as línguas maternas dos imigrantes, permitindo que a identidade de cada grupo fosse mantida, ao mesmo tempo em que se construía uma identidade local compartilhada.
Referência Moral e Orientação: Em uma sociedade em formação, os valores morais e a orientação ética eram fundamentais. Os líderes religiosos serviam como guias, oferecendo direção espiritual e moral, ajudando a estabelecer normas de convivência e a moldar o caráter da comunidade.
Em suma, as comunidades de fé e seus líderes foram elementos estruturantes da sociedade ijuiense. Suas igrejas não eram apenas locais de culto, mas centros vitais de vida social e cultural, catalisadores de desenvolvimento e agentes de integração em uma "babel do Novo Mundo". O papel da religião em Ijuí, portanto, transcendeu a esfera espiritual, sendo um pilar fundamental na construção da cidadania, na formação das instituições e na promoção da harmonia entre as diversas etnias.