Capítulo 10: Educação: pilares do conhecimento em Ijuí

A educação é a base do progresso de qualquer sociedade. Em Ijuí, uma cidade construída sobre os pilares do planejamento e da imigração, a busca pelo conhecimento foi um elemento central desde seus primeiros dias. Da primeira sala de aula improvisada ao estabelecimento de uma universidade, a história da educação em Ijuí é um testemunho da valorização do saber e do esforço contínuo para construir uma comunidade mais informada e capacitada.

10.1. Os primórdios: Roberto Roeber e a primeira escola pública

Os primeiros passos da educação formal na Colônia de Ijuí, nos anos que se seguiram à sua fundação, foram modestos, mas carregados de significado e idealismo. A figura central nesse período inicial foi Roberto Roeber, um imigrante alemão que chegou à região em 1893. Roeber, dotado de conhecimentos pedagógicos, assumiu o papel de "primeiro professor" de Ijuí.

Suas aulas iniciais eram de caráter particular, refletindo a carência de instituições públicas de ensino na colônia em seus primórdios. As lições eram ministradas em um local bastante simbólico: nos fundos do Barracão, a construção provisória que serviu de abrigo e ponto de encontro para os primeiros imigrantes. Esse local improvisado, onde sonhos e esperanças eram nutridos, também se tornou o berço da educação formal na cidade.

A importância da educação para o desenvolvimento da colônia foi rapidamente reconhecida. Ainda em 1893, no mesmo ano da chegada de Roeber, foi erguida a primeira escola pública de Ijuí. Localizada um pouco acima da Igreja da Natividade, essa construção simples, provavelmente em madeira, representava um avanço significativo na organização social da colônia. Roberto Roeber, que já atuava no ensino particular, passou a lecionar nesse prédio, dedicando-se à instrução dos meninos.

Para as meninas, a educação também encontrou seu lugar. Belmira Terra, filha de imigrantes portugueses, foi nomeada professora, assumindo a responsabilidade pela instrução feminina. Essa divisão por gênero no ensino era uma prática comum na época e se estenderia por muitas décadas.

No interior da colônia, a educação também começou a se expandir. A Aula Letta, que iniciou suas atividades em 1899 na Linha 10 Leste, é um exemplo notável. Ela funcionava nas dependências da Igreja Batista Leta, demonstrando a forte ligação entre as comunidades religiosas e o provimento da educação nas áreas mais afastadas do núcleo central. Esses primeiros esforços, embora rudimentares, foram fundamentais para lançar as bases de um sistema educacional que cresceria e se tornaria um dos pilares do desenvolvimento de Ijuí.

10.2. Aulas particulares e a educação separada por sexo

A organização do ensino nos primeiros anos de Ijuí, conforme visto, refletia tanto a escassez de recursos quanto as normas sociais da época. Aulas particulares, como as oferecidas inicialmente por Roberto Roeber, eram uma forma comum de prover instrução em um contexto onde as escolas públicas eram poucas e incipientes. Essa modalidade atendia àqueles que podiam pagar ou que moravam em áreas com professores disponíveis, mas também demonstrava a demanda por conhecimento na colônia.

Um traço marcante e amplamente disseminado do sistema educacional de Ijuí em seus primórdios era a separação dos alunos por sexo. Meninos e meninas eram ensinados em classes distintas e, muitas vezes, em prédios separados, como no caso da primeira escola pública, onde Roberto Roeber lecionava para os meninos e Belmira Terra para as meninas. Essa prática não era exclusiva de Ijuí, sendo um reflexo dos valores e das expectativas sociais da época, que destinavam papéis diferentes para homens e mulheres na sociedade. Essa segregação persistiu por um longo período, mantendo-se até a década de 1950, quando as transformações sociais e educacionais levaram à progressiva integração de gêneros nas salas de aula.

Além da separação por sexo, a educação em Ijuí nos seus primeiros anos também lidava com a complexidade da diversidade linguística da colônia. Embora o ensino da língua portuguesa fosse presente e obrigatório, muitas das "demais disciplinas frequentemente eram ensinadas na língua da etnia predominante na comunidade escolar". Isso significa que em escolas de áreas com maior concentração de alemães, poloneses ou italianos, o ensino podia ocorrer em alemão, polonês ou italiano, utilizando o português apenas como uma língua-ponte ou em disciplinas específicas. Essa adaptação mostrava a flexibilidade do sistema para acolher e integrar os imigrantes, ao mesmo tempo em que contribuía para a preservação de suas línguas e culturas de origem. Contudo, essa prática de ensino em línguas estrangeiras seria alvo de uma política nacional de "nacionalização" nas décadas seguintes.

10.3. A nacionalização do ensino (Estado Novo - 1938)

A autonomia linguística e cultural das escolas em Ijuí e em outras colônias de imigração no Brasil sofreria uma profunda alteração a partir de 1938. O contexto era o do Estado Novo, regime autoritário liderado por Getúlio Vargas, que implementou uma série de políticas nacionalistas com o objetivo de unificar a identidade brasileira e coibir influências estrangeiras. Uma dessas políticas foi a imposição da "nacionalização do ensino".

Essa diretriz determinava que todas as escolas em território nacional, inclusive as localizadas em zonas de colonização estrangeira como Ijuí, deveriam adotar o português como única língua de instrução. Isso significava o fim da prática de se lecionar disciplinas em alemão, italiano, polonês ou qualquer outra língua de origem dos imigrantes. Professores estrangeiros que não dominavam o português ou que se recusavam a adotar o novo padrão foram, em muitos casos, substituídos ou tiveram suas atividades restringidas.

A nacionalização do ensino teve um impacto multifacetado em Ijuí. Por um lado, contribuiu para a integração linguística dos descendentes de imigrantes à sociedade brasileira, facilitando a comunicação e o acesso a oportunidades em nível nacional. A homogeneização da língua nas escolas visava a formação de uma identidade nacional unificada. Por outro lado, essa política representou uma perda cultural para as comunidades imigrantes, que viram suas línguas maternas e suas tradições transmitidas em sala de aula serem reprimidas. Para muitos, significou um afastamento de suas raízes culturais em nome da "abrasileiração".

A implementação dessa política gerou tensões e desafios para as escolas e para as famílias. Muitas comunidades se esforçaram para manter suas línguas vivas fora do ambiente escolar, em casa ou em espaços comunitários e religiosos. A nacionalização do ensino é um capítulo complexo na história de Ijuí, que ilustra a interação entre as políticas governamentais de grande escala e as realidades locais, e como o Estado buscou moldar a identidade cultural de uma nação plural através da educação.

10.4. Instituições marcantes: IMEAB, Escola Sagrado Coração de Jesus, Instituto Comercial de Ijuí

A trajetória da educação em Ijuí é pontuada pela fundação e evolução de instituições que se tornaram pilares do conhecimento e da formação de gerações de ijuiense. Cada uma delas, com sua história particular, contribuiu para a diversidade e a qualidade do ensino oferecido na cidade.

10.5. Ensino Superior: A Fafi, Fidene e o nascimento da UNIJUÍ

A trajetória educacional de Ijuí alcançou seu ápice com a consolidação do ensino superior, culminando na criação de uma das mais importantes universidades regionais do Rio Grande do Sul. Esse percurso, que transformou a cidade em um polo de conhecimento, teve suas raízes em iniciativas audaciosas.

As origens do ensino superior em Ijuí estão ligadas aos Frades Capuchinhos, que, com sua visão e dedicação, impulsionaram a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí (Fafi) em 1957. Inicialmente, a Fafi concentrou-se nos cursos de Filosofia e Pedagogia, atendendo à demanda por formação de professores e intelectuais na região.

A necessidade de descentralizar o ensino superior e torná-lo mais acessível na região Noroeste do estado levou à criação dos Institutos Superiores de Cultura em Santo Ângelo e Cruz Alta, em 1964. Essas iniciativas buscavam expandir o acesso à educação de nível superior e formar profissionais para as necessidades crescentes da região.

Com a consolidação do ensino superior e o término do compromisso missionário dos Capuchinhos, que haviam desempenhado um papel crucial na fundação da Fafi, surgiu uma proposta inovadora: a regionalização. Essa ideia visava abranger 54 municípios, transformando a Fafi em uma fundação comunitária. Esse processo culminou na criação da Fidene (Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado) em 1969. De natureza jurídica privada, a Fidene tinha como objetivo expandir a formação profissional para os setores público e privado, consolidando os cursos existentes e criando novos. Desse movimento, em 1970, nasceu a Faculdade de Ciências Administrativas, Contábeis e Econômicas de Ijuí (Facacei), ampliando as opções de formação na área de negócios.

O grande passo rumo à autonomia universitária ocorreu na década de 1980. A Fidene iniciou o processo para transformar seus cursos superiores em uma universidade plena. Esse esforço foi coroado em 9 de maio de 1985, com o reconhecimento da Universidade de Ijuí pelo Ministério da Educação.

Em 1993, a instituição passou por um novo processo de regionalização, adotando o nome de Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). A UNIJUÍ expandiu sua área de atuação, abrangendo agora 51 municípios com campi e núcleos, tornando-se uma força motriz para o desenvolvimento educacional, científico e cultural de toda a região Noroeste gaúcha. A chegada dos Frades Capuchinhos a Ijuí entre 1950 e 1951, com figuras notáveis como Frei Aloísio de Garibaldi e Frei Libório de Santa Rosa, marcou o início dessa transformação, deixando um legado significativo que culminou na Universidade que hoje conhecemos.



10.6. Líderes da educação: Professor Argemiro Jacob Brum, Mário Osório Marques

A ascensão de Ijuí como polo educacional é inseparável da visão e dedicação de líderes que, com seu trabalho incansável, construíram as bases e impulsionaram o desenvolvimento de suas instituições. Duas figuras se destacam nesse cenário, deixando um legado que perdura até hoje: o Professor Argemiro Jacob Brum e Mário Osório Marques.

Mário Osório Marques: O Artífice do Ensino Superior Mário Osório Marques é um nome "indelevelmente ligado à educação e à cultura em Ijuí". Sua atuação comunitária, sua inconteste liderança e suas iniciativas marcadas por forte pioneirismo e por uma "mente privilegiada" o tornaram um personagem digno da admiração e do respeito dos ijuiense.

Professor desde 1952, Mário Osório Marques era um intelectual de vasta formação: graduado em Filosofia, pós-graduado em Teologia, e com doutorado em Educação, ele era educador, sociólogo, pedagogo e pesquisador. Sua paixão pelo conhecimento o levou a integrar o quadro docente da UNIJUÍ desde o início, e ele é reconhecido como o "artífice maior" da construção da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Seu legado é marcado por ser o idealizador e mentor de diversas instituições e projetos que transformaram o panorama educacional e cultural da região: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí (FAFIL, 1957); o Movimento Comunitário de Base (1961); o Museu Antropológico Diretor Pestana (1961); a Escola de Educação Básica Francisco de Assis (EFA, 1969); a Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado (FIDENE, 1969); a própria Universidade Regional do Noroeste do Estado (UNIJUI, 1985); a Editora Unijuí (1985) e o Mestrado em Educação nas Ciências (1994).

Em reconhecimento à sua atuação transformadora, Mário Osório Marques recebeu os títulos de Cidadão Benemérito de Ijuí (1967), Professor Emérito da UNIJUI (1992), o Prêmio Educação RS - Sinpro/RS (1999) e o Pesquisador Destaque - Categoria Educação e Psicologia - FAPERGS (2001). Sua vida e obra representam um marco na história da educação e do pensamento em Ijuí, solidificando a cidade como um polo de irradiação de conhecimento.