Capítulo 5: Agricultura: da subsistência à modernização
A terra, para os colonos que a desbravaram, era a promessa de vida e prosperidade. A agricultura em Ijuí é a espinha dorsal de sua história econômica, um testemunho da resiliência, do trabalho árduo e da capacidade de adaptação de seus habitantes. Este capítulo traça a evolução desse setor vital, desde os desafios da subsistência inicial até as complexidades da modernização e da especialização.
5.1. Os primórdios: policultura de subsistência e desmatamento
Nos primeiros anos da Colônia Ijuhy, a vida agrícola era um desafio constante, moldada pela necessidade imediata de sobrevivência. A policultura de subsistência era a prática dominante, onde as famílias de colonos dedicavam-se a cultivar uma variedade de produtos para garantir seu próprio consumo e minimizar a dependência do mercado externo. Grãos como feijão e milho eram culturas essenciais, complementadas pelo trigo, importante para a produção de farinha, e pela mandioca, uma cultura versátil e resistente.
O cenário era de um trabalho árduo e incessante. Com ferramentas rudimentares, como machados e enxadas, os colonos empreendiam a gigantesca tarefa de derrubada das matas. Essa era a primeira e mais extenuante etapa: transformar a densa floresta em campos cultiváveis. A semeadura era manual, o que demandava grande esforço físico e conhecimento prático do ciclo das culturas. As técnicas utilizadas eram tradicionais, transmitidas de geração em geração, muitas vezes adaptadas das práticas europeias, mas aprimoradas para as condições do solo e clima do Rio Grande do Sul. A produção, como o próprio nome sugere, destinava-se, em grande parte, ao consumo próprio da família, com apenas um pequeno excedente eventualmente comercializado para adquirir itens não produzidos na propriedade.
No entanto, essa fase pioneira da agricultura trouxe consigo significativas consequências para o meio ambiente. A derrubada indiscriminada das árvores, necessária para abrir espaço para as lavouras, expôs o solo à ação erosiva da chuva e do vento. Além disso, a remoção da cobertura vegetal privou o solo da matéria orgânica proveniente da decomposição das folhas e da vegetação nativa, o que, com o tempo, levou à diminuição de sua fertilidade natural. Para mitigar esse problema e recuperar a produtividade do solo, os colonos foram compelidos a adotar práticas como o pousio, que consistia em deixar a terra descansar por um período, permitindo sua recuperação natural.
Apesar da predominância da subsistência, a erva-mate, abundante nas matas da região, se destacava como um dos poucos produtos com potencial comercial significativo. Após um processo de beneficiamento rudimentar que incluía o carijo (secagem da folha) e o socamento, a erva-mate era comercializada para mercados distantes, como a Argentina e outras localidades do Rio Grande do Sul, gerando uma renda vital para milhares de pessoas, principalmente para os caboclos que já habitavam a região. Essa atividade era crucial para a subsistência, especialmente em um cenário onde a escassez de empregos nas grandes fazendas impulsionava muitos a buscar na erva-mate e na agricultura de subsistência uma alternativa para garantir o sustento familiar.
5.2. A Transição para o comércio: novas tecnologias e culturas
Com o passar do tempo e a consolidação da colônia, a agricultura em Ijuí começou a dar os primeiros passos em direção a uma produção com foco comercial, marcando uma evolução crucial em sua história econômica. Essa transição foi impulsionada pela introdução de novas tecnologias e ferramentas, que, embora simples pelos padrões atuais, representavam um avanço significativo para a época.
A chegada de instrumentos como o arado e a trilhadeira revolucionou a forma de cultivar e colher. O arado, ao substituir a enxada para a preparação do solo, permitiu um trabalho mais eficiente e em maior escala, preparando a terra de forma mais homogênea e profunda. A trilhadeira, por sua vez, agilizou o processo de separação dos grãos, reduzindo o tempo e o esforço manual dedicados à colheita e pós-colheita, aumentando assim a produtividade e a capacidade de processamento dos agricultores.
Arando a terra - foto de Eduardo Jaunsem
Essa maior eficiência e volume de produção permitiram que a agricultura de Ijuí passasse a ser direcionada não apenas para o consumo próprio, mas também, e crescentemente, para a comercialização. A produção excedente, agora maior e mais consistente, encontrava caminhos para os mercados externos. A construção e o desenvolvimento da infraestrutura de transporte, como as estradas e ferrovias (mencionadas no capítulo anterior), foram facilitadores essenciais para esse escoamento. O acesso a mercados mais amplos impulsionou a agricultura comercial, criando um ciclo virtuoso de produção e venda.
Nesse período de transição, culturas como o milho, o feijão e a cana-de-açúcar ganharam destaque. O milho, versátil, servia tanto para alimentação humana e animal quanto para a venda. O feijão era um alimento básico com demanda constante. A cana-de-açúcar, por sua vez, abriu possibilidades para a produção de rapadura e aguardente, que tinham mercado garantido. Essa diversificação e o foco no comércio começavam a transformar a economia local, gerando mais capital e permitindo o reinvestimento na própria terra e nas técnicas de cultivo. O fazendeiro ijuiense, antes primariamente um subsistente, começava a se tornar um agente econômico mais integrado às redes de comércio regional.
5.3. Desafios e diversificação: a "mandioquização"
A trajetória da agricultura em Ijuí, embora marcada por avanços, não foi isenta de obstáculos. Ao longo dos anos, os agricultores enfrentaram uma série de desafios que testaram sua capacidade de adaptação e resiliência, impulsionando períodos de diversificação da produção para garantir a subsistência e a rentabilidade.
Um dos problemas recorrentes era a instabilidade dos preços no mercado. As flutuações de oferta e demanda, muitas vezes ditadas por fatores externos à colônia, podiam comprometer a rentabilidade de safras inteiras, colocando em risco a economia familiar dos colonos. Essa vulnerabilidade econômica exigia que os agricultores fossem flexíveis e buscassem alternativas que pudessem mitigar os riscos.
Outro desafio significativo era o esgotamento do solo. As práticas agrícolas iniciais, muitas vezes focadas na derrubada da mata e no cultivo intensivo sem a devida reposição de nutrientes ou rotação de culturas, levaram à diminuição da fertilidade da terra ao longo do tempo. A falta de infraestrutura mais avançada, como sistemas de irrigação ou acesso fácil a fertilizantes modernos, agravava a situação, forçando os agricultores a buscarem culturas mais resistentes e menos exigentes em termos de solo.
Foi nesse contexto de adversidades que Ijuí vivenciou um período de intensa especialização na mandioca, fenômeno que ficou conhecido como a "mandioquização". A mandioca, por sua natureza, apresentava uma série de vantagens: era uma cultura relativamente resistente a solos menos férteis, tolerava melhor as variações climáticas e possuía um ciclo de cultivo que permitia flexibilidade. Além disso, a mandioca era versátil, podendo ser utilizada tanto para o autoconsumo (produção de farinha e outros derivados) quanto para a comercialização, com demanda para a alimentação humana e animal, e até mesmo para a indústria.
A "mandioquização" foi, portanto, uma resposta pragmática e eficaz a essas dificuldades. Ela demonstra a capacidade dos agricultores de Ijuí em se adaptar e diversificar sua produção para garantir o sustento e complementar a renda familiar em tempos de incerteza. Esse período, embora possa ser visto como uma fase de menor diversidade de culturas, foi crucial para a segurança econômica de muitas famílias e para a manutenção da atividade agrícola em Ijuí, preparando o terreno para as fases de modernização que viriam.
5.4. A Mecanização e a consolidação do modelo moderno (Trigo e Soja)
A partir da década de 1950, a agricultura em Ijuí passou por uma das mais profundas transformações de sua história, adentrando uma era de modernização e especialização que a catapultaria para um patamar de destaque nacional. Essa mudança foi impulsionada, sobretudo, pela mecanização da produção.
A introdução de máquinas e equipamentos modernos, como tratores, semeadoras, colheitadeiras e pulverizadores, alterou radicalmente a paisagem rural e as práticas agrícolas. O trabalho braçal, que por décadas havia sido a base da produção, começou a ser gradualmente substituído pela eficiência e escala das máquinas. Essa mudança tecnológica aumentou "significativamente a produtividade", permitindo que uma área maior fosse cultivada com menos tempo e esforço, e com maior precisão no manejo.
Com a mecanização, a região de Ijuí começou a se especializar em culturas que se adaptavam melhor às novas tecnologias, às condições climáticas e às demandas de mercado: o trigo e a soja.
O trigo, uma cultura de inverno, encontrou em Ijuí um ambiente favorável para seu desenvolvimento, tornando-se um dos principais cereais produzidos na região.
A soja, por sua vez, uma cultura de verão, consolidou-se como a grande aposta agrícola da região. Seu potencial de exportação e a crescente demanda global fizeram dela uma commodity de alto valor, impulsionando a economia local de forma sem precedentes.
A combinação estratégica de trigo e soja estabeleceu o que se convencionou chamar de modelo agrícola moderno em Ijuí. Essa rotação de culturas de inverno e verão permitiu o aproveitamento máximo da terra ao longo do ano, aumentando a intensificação da produção. A utilização de tecnologias avançadas, a pesquisa em novas sementes, o manejo otimizado do solo e a integração com o mercado global transformaram Ijuí em um polo de produção agrícola de vanguarda.
Essa nova fase não apenas garantiu a segurança alimentar e econômica da região, mas também posicionou Ijuí como um importante contribuinte para a economia do Brasil. A cidade e seu entorno passaram a ser reconhecidos como um dos celeiros do país, demonstrando como a capacidade de inovação e adaptação, aliada ao trabalho e à visão, pode levar um setor agrícola da subsistência à alta produtividade e relevância global.